* O TEXTO ABAIXO CONTÉM SPOILERS


Dia de Nerdmetal Brasil e tal como prometido, eu continuo no pique do girl power. No texto anterior você leu o breve review que eu fiz do trailer de Supergirl, e algumas ideias sobre o quão importante a nova série da CBS pode/vai ser em termos de representação feminina, além do potencial dessa representação, que é enorme. Hoje, entretanto, é dia de ponte aérea com o Japão pra falar do mesmo assunto, mas com algumas diferenças muito boas.

Em 2015 a franquia Pokémon completou 18 anos. E isso é muita coisa. Numa sociedade onde é cada vez mais complicado cativar e manter a atenção do público, muitas franquias se enrolam nas ideias e não é surpresa ver mil reboots e remakes de ideias estabilizadas (Dragon Ball Kai, Resident Evil 0) ou ideias novas, porém bizarras/mal interpretadas. Pokémon meio que se encaixa nos dois casos, mas apesar de tudo tem mantido uma base de fãs fiel ao longo de quase 2 décadas.

Pokémon tem como foco os jogos. O anime é baseado nele. Essa é uma coisa que atire a primeira pedra quem nunca confundiu antes. Com 17 temporadas e mais de 800 episódios, em outubro de 2013 estreou a saga XY, contando as aventuras de Ash Ketchum na região de Kalos, dessa vez tendo a companhia dos irmãos Clemont e Bonnie, e Serena, que nos games Pokémon X e Y é a personagem jogável da vez.

PS: as screenshots tem legendas em inglês porque vieram de um texto em inglês, o que me inspirou a fazer o post. Vou usar mesmas imagens por conveniência, mas vou deixar a tradução das legendas.


"É chato quando nada morde [o anzol]".

Uma personagem sem direção

Além de querer rever o Ash, a Serena começa sua jornada sem objetivos mais específico, dois fatores tornaram ela alvo constante do hate dos fãs, incluindo o meu. Parecia que os roteiristas estavam criando o 9999 clichê da menina boba com uma crush antiga, que faz ela esquecer do resto, e claro que o tonto do Ash não a reconhece de imediato. Tudo caminhava pra ser apenas mais um desperdício de personagem feminina na história do entretenimento.


"Um sonho, huh..?"

Serena é bem seletiva nas atividades e sempre que ela, Ash, Bonnie e Clemont chegam a uma nova cidade o seu comportamento é mais de turista do que treinadora, lembrando que o starter dela é um Fennekin. Não faz sentido, certo? Vai vendo. Ela prefere conhecer aquários, lojas, a estrela de cinema Diantha, e fica entediada fácil, gastando muito tempo sem saber o que ela realmente quer fazer. Foi aí que eu senti o clique e me identifiquei.

Eu sou o tipo de pessoa que respira indecisão. O Waka já conhece isso de certa forma. Eu também tenho o histórico de querer fazer 71230819 coisas e no final fazer 2 ou 1, e ainda assim às vezes sem muita vontade. Sou uma pessoa difícil de cativar. Não é todo filme que eu gosto, não é toda série que eu acompanho. Esse é um dos motivos pelos quais eu argumento até a morte que Pokémon é tudo, menos 100% infantil.


"Eu estou ficando um pouco precipitada".

Aos poucos Serena nota o quanto ela está ficando para trás. Clemont é líder de um dos ginásios de Kalos (no anime e no jogo), e Ash começa a conquistar as primeiras insígnias. Mesmo assim ela de tempos em tempos insiste em se aproximar do Ash (romanticamente), mas sem sucesso. Aff, muitos pensaram. Me inclua nessa de novo. Aí surge o problema. Serena começa a pensar cada vez mais sério sobre os rumos da sua vida.


"E é por isso que eu decidi..."

A descoberta das Performances Pokémon

O conceito de Pokémon Performer é uma novidade que muda a vida da personagem. Entretanto, ele não é novo. Lá em Diamond And Pearl a Dawn (segunda melhor companion do Ash) luta pelo sonho de ser uma Coordenadora Pokémon. Sim. Coordenadora e Performer são a mesma coisa, apenas com nomes e uns detalhes diferentes. Viu o que eu disse sobre reboots e remakes?


"..Fazer performances Pokémon igual a Elle-san com esse pequeno [Pancham] como meu parceiro."

Ainda assim.. Bam! Meu segundo clique. Nessa altura é incrível ver como os roteiristas transformaram a Serena de uma menina perdida, boba e imatura em uma menina perdida, mas determinada em conquistar o seu lugar. Que vive na estrada, mas não esquece da sua vaidade, e não fazer isso pra aparecer, e sim por bem estar. Que ao invés de ver na Bonnie um peso morto, meio que adota ela como uma irmã mais nova.

Mas claro que vai surgir outro problema.

Num dos episódios o grupo reencontra a mãe da Serena, que desde o começo do anime insiste em treinar a filha para as corridas de Rhyhorn, pois ela é uma corredora e das conhecidas.. Sabe aquela intimidação que o seu pai pra você cursar medicina por que ele é médico? Ou aquele comentário ácido da sua mãe sobre filha de uma amiga que passou num concurso público? O caminho é o mesmo.


"...Eu não vou voltar pra casa com você". [Serena diz para a mãe]

Depois de confrontar a mãe e finalmente confessar seus sentimentos, o cenário muda. Claro que a mãe sabe que a Serena não tem inclinação pra coisa, e admira o quanto a jornada já mudou a personalidade dela positivamente. Na cidade seguinte ela decide entrar na categoria iniciante do evento de performers, incentivada principalmente pela rivalidade com a nova amiga, Shauna.

Importante: a rivalidade entre as duas é 100% saudável. As duas mostram que sim, amizade entre mulheres pode existir. Grande acerto. Assim os roteiristas finalmente dão aquele push que a Serena precisava, assim como o Ash sempre têm rivais em cada temporada. Outra coisa legal é elas serem rivais performer, quebrando o argumento de que pokemon só "servem" pra batalhar.


Essa cena.. Cara.

O primeiro fracasso e a grande surpresa

Agora Serena tem até um novo pokémon. Justo ela que não queria nada com eles! É um orgulhoso, mas no fundo de bom coração, Pancham, que fica na torcida com Ash & cia enquanto ela e o Fennekin entram na competição. Tudo vai muito bem até que? Surge outro problema, claro. Serena falha na competição e perde. Logo na estreia. Foi de sentir bastante raiva dos roteiristas. Mamamamas, isso levou a uma das cenas mais emocionantes que Pokémon XY teve até aqui.


"Eu estava finalmente sendo capaz de ficar na linha de partida do meu sonho".

No fim do dia a garota cheia de dúvidas, que largou o "sonho certo" das corridas de Rhyhorn, que desistia fácil quando a situação ficava difícil (e a mãe dela fala isso), vê o novo sonho dela dar ruim logo de cara. Ah, como eu entendo disso. Clique. Só que ao invés de desistir de novo e partir pra outra, Serena chora, sim, e faz uma mudança muito simbólica: cortar o cabelo.

Afinal, que mudança mais marcante na vida de uma mulher (visualmente falando) que cortar o cabelo?



Dia seguinte todo mundo se assusta com a surpresa. Serena de cabelo curto, roupas novas, e um toque sutil dos sentimentos dela pelo Ash (usar uma fita que ele deu de presente). Ela deixa de ser uma garota mimada e passa a arregaçar as mangas pra se tornar a Rainha de Kalos. Com isso ela mostra que mudar o visual ajuda, e que chorar nem sempre é ruim. Ponto.

Serena agora é mais confiante e até as situações onde ela costumava a travar, a sua atitude muda.


"Satoshi [nome japonês do Ash] dá tudo de si, não importa o que ele faça."

O 'romance' vira um plus, e não o foco (!!!)

E que baita alívio por isso. Daria um mix de agonia com rage imenso se todo o crescimento dela parasse na lixeira por causa de uma crush. Não que isso seja errado, é errado quando o seu sentimento por outra pessoa cega você em todos os aspectos, fazendo até com que você deixe de viver a sua vida por causa disso. Ótimo que Pokémon não reforce esse clichê disfarçado de "altruísmo", que no fundo esconde muita falta de amor próprio.

Não, os sentimentos dela pelo Ash não somem, mas mudam. O fato dele só ver na Serena uma amiga pode irritar (Ash seu virgem, muitos vão dizer), acaba eles a protegem de cair no clichê acma. Ao invés disso, Serena cria uma admiração pelo Ash, que sempre a incentiva com palavras e conselhos, e com o próprio exemplo dele.

Isso quebra outro mito: que homem e mulher só podem ser amigos se tiver romance ou "romance" envolvidos. Uma mentira tamanho GG. Se isso tudo vai evoluir (uh oh, trocadilho) pra algo mais elaborado? Difícil dizer, mas dado o foco do anime, que ao mesmo tempo é adulto e não é, tenho as minhas dúvidas. Se não passar de amizade, vou ficar feliz. Se passar de amizade, não vou me incomodar.


"Hora de treinar para o próximo torneio!" [uh oh, quem viu e quem vê]

De personagem odiada a personagem mais querida

Serena é uma personagem multidimensional. Dà um gosto imenso ver o seu desenvolvimento, você ri, chora, acha ela boba e gracinha, se identifica e pensa como seria um mundo com mais mulheres assim. Imagina o valor da personagem para o público mais jovem? Até para o público mais velho. Pokémon XY tem personagems muito bons, mas é por essa e outras razões que renderiam uma monografia, que a Serena é um dos melhores de toda a saga.

Do fundo do meu coração.. Espero que ela não vá embora no final da temporada. Engraçado como muitos fãs que a odiavam agora não querem isso. (me inclua nessa de novo) Mas se a despedida for o caso (ah, meu pobre coração de margarina..), que ao menos arrannjem um spinoff pra ela. Já. Agora. Ou melhor, pra anteontem. Eu assistiria amarradíssima.

"DoriDori" (SonharSonhar), terceiro encerramento focado nela.
A letra em português (que é muito legal), você pode ler aqui.