Faz um tempão (insira referência a Jorge Vercilo aqui) que eu não escrevo uma série para o blog. O Writer's Block da depressão continua, mas hoje eu quero me esforçar e começar uma série não tão longa, porém deveras especial.
Sem dúvida que a minha parte predileta do heavy metal pesada é esse espírito cru que é tão natural ao estilo (bem mais que o hard rock): melodias secas, pancadas de bateria rápidas e ocas, riffs agudos, esses recursos e outros tantos ajudam a criar uma vibe de brutalidade que é mal vista por muitos, mal entendida até mesmo pelos próprios metalheads, mas que é um dos maiores presentes dados por Black Sabbath, Iron Maiden & cia quando iniciaram suas carreiras.
No heavy metal não existe meio termo e carinhas felizes. A essência é ser revoltado, questionador, e colocar o dedo na ferida de diversos assuntos: política, religião, os rumos dos relacionamentos entre as pessoas, mesmo a nossa relação com o planeta onde vivemos. E isso é importante demais. Letras que propoem uma reflexão sobre assunto X ou Y são super poderosas, capazes de mudar a maneira como o metalhead (e mesmo o poser) enxergam a vida.
E os rumos dos relacionamentos entre as pessoas é o tema que mais tem me interessado há anos: desde sempre existem músicas falando sobre o quão mal está a humanidade, mas há uns 4 ou 5 anos esse tema tem sido cada vez mais cantado pelas bandas. Foi aí que eu tive a ideia de separar cinco músicas que traduzem perfeitamente esse sentimento.
Das cinco músicas essa é a que me proporcionou o maior soco emocional que eu já levei na vida. O Kamelot sempre foi o que os americanos chamam de heart on sleeves (tradução livre: "coração nas mangas"), um adjetivo usado para definir as pessoas que não escondem os verdadeiros sentimentos. Você que já ouviu ao menos uma música (nem que seja The Hauting) sabe que mesmo com a troca de vocalistas, o Kamelot manteve intacta a capacidade de ser dramático e de emocionar.
The Human Stain é uma dessas pérolas dramáticas e emotivas, mas mais do que isso: ela é dark. Muito mesmo. Vinda direto do querido (ao menos por mim) álbum Ghost Opera, a música fala sobre ele que independente da sua religião, ausência de religião, o seu status social e se você é gordo ou magro, é o nosso maior vilão. O tempo. Mas não dentro da perspectiva enquanto há vida, há esperança não, o Kamelot explora as dores de estar vivo no mundo moderno, onde a cada erro cometido pela nossa vaidade, mais uma manchinha entra na nossa conta.
(Lembrando que a tradução do título da música é "A Mancha Humana")
See the cemetery sky
Carmine red and deep
Watch the oceans rising high
It's the human stain
Talk about the growing hunger
Ask why with deep concerne
Don't you think
The human race is ceaselessly vain
As duas primeiras estrofes já mostram que a banda não está para brincadeira: os oceanos realmente têm sido protagonistas de tragédias. Só pra você ter uma ideia, em 2011 o tsunami de Sendai foi o maior a atingir o Japão e um dos 5 maiores do mundo desde que os registros desse tipo de fenômeno começaram a ser feitos. Falar da fome é algo que beira o paradoxal: países sofrem com a falta de comida, outros com a má distribuição da comida, do desperdício, e outros sofrem com problemas de obesidade.
E mesmo assim eu e você nos mantemos vaidosos sabe-se lá por que.
But it hurts to be alive, my friend
In this silent tide we're driftwood passing by
Don't you wish you were a child again
Just for a minute
Just for a minute more
Ah, me diga que você nunca em momento algum teve o desejo de ser criança novamente? A nostalgia voltar ao tempo em que sim, a vida já era difícil, mas que ao menos ela parecia ser relativamente mais fácil de suportar. Exemplos como a popularidade do canal Nostalgia reforçam a teoria do quanto nós cultuamos a nossa infância, porque convenhamos, pobres das crianças dos dias de hoje.
E todo esse conflito me faz pensar na dor de estar vivo, mesmo ironicamente a "vida" sendo o maior presente da Terra para todos nós. É um papo meio cabeça e filosófico, mas muito sério.
Hear the ticking of a clock
The sound of life itself
No one really wants to die
To save the world
Tell me that you're torn asunder
From how we fail to learn
And tell me
As the Earth goes under
Where's your anger now
Agora o tempo é citado de uma forma mais clara e cruel, que com a interpretação teatral e cheia de sentimento de Roy Khan elevam o nível emocional dessa música facilmente a mais de 8 mil. O tempo é uma criação de certa forma abstrata, pois você não pode tocá-lo, e ainda assim ele existe e influi na sua vida. O Kamelot ainda faz até uma breve referência à Bíblia sob oponto de vista obscuro: somos vaidosos e egoístas, jamais iríamos morrer para salvar um monte de pessoas as quais nem conhecemos e que nunca fizeram nada por mim ou por você.
Na cabeça de muitos isso não é um ato de amor ou de heroísmo, mas sim um ato de ser otário.
Na segunda estrofe vem a pergunta sobre algo no qual eu já sofri muito: a sensação de me sentir emocionalmente despedaçada pela ignorância das pessoas, que dia após dia se mostram burras em aprender ao menos as pequenas lições que tornariam a vida mais fácil.
So it hurts to be alive, my friend
In this masquerade where all one day must die
Don't you wish you were unborn again
Just for a minute
Just for a minute more
Essa estrofe é a cereja do bolo, tanto que eu quero falar sobre ela separadamente. Depois de analisar o quão mal a humanidade está a letra afirma com certeza que sim, dói estar vivo e dói ainda mais tendo em vista não importa a sua crença ou falta dela, a morte é o destino final de todos. E que mesmo assim estamos desperdiçando esse tempo precioso com coisas fúteis e pequenas, por isso usar a palavra masquerade (tradução livre: baile de máscaras) foi uma boa sacada.
Mas agora, diferente da outra estrofe, a pergunta é outra: tendo em vista tudo isso, você não gostaria de voltar ao tempo em que ainda não tinha nascido?
Tic-Toc
The ticking that could tear asunder
The beating from a heart of stone
The loss of your divine prosperity
'Cause it costs to be alive, my friend
And this life that someone merely gave to you
That's the price you pay
Minute by minute
You beg for a minute more
O Kamelot é brilhante ao fechar The Human Stain ao falar que o custo de estar vivo é estar vivo, um paradoxo com a qual as sociedades lidam de maneiras diferentes, mas que nós, ocidentais, até evitamos falar muito. Valorizamos a alegria, a felicidade, que são sensações ótimas, mas que muita gente como escudo pelo medo de sofrer, e pela falta de capacidade de encarar a vida a sério.
No Brasil (no mundo também) somos mestres nisso. Achamos careta quem fala de coisas sérias e achamos um máximo os quem vive tão intensamente ao ponto de não passar dos 27 anos. A questão não é ser sério demais (porque ninguém merece uma pessoa com "humor de corvo"), nem ser brincalhão demais (acho que o perfil "arroz de festa" também é chato, né?). Imagino eu que a questão é saber o que ser, quando ser e quanto ser.
Enfim. Se você me acompanhou do começo ao fim, eu agradeço! E de verdade, pois é uma série que eu vinha pensando em fazer há muito tempo, mas só agora surgiu uma boa oportunidade. Pra finalizar o post, o vídeo da música:
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